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sexta-feira, 12 de junho de 2020

Memória de resistência

São Paulo, 7 de Abril de 1996 - FOLHA DE SÃO PAULO

Caboclo, xucuru pode virar sem-terra

GEORGE ALONSO

ENVIADO ESPECIAL A PESQUEIRA (PE)


Os xucurus -índios que lutaram na Guerra do Paraguai e que perderam suas terras, sua língua e até características físicas- são hoje os mais atingidos pelo decreto 1.775, que permite a contestação das terras indígenas no país. Contra os xucurus, até quarta-feira passada, deram entrada na Funai (Fundação Nacional do Índio) 136 contestações de suas terras, 26.980 hectares demarcados em 1991 no município de Pesqueira (204 km a oeste de Recife). O território dos xucurus equivale a 168,6 parques Ibirapuera -que tem 1,6 km2.

Até amanhã, prazo final para contestações, o Sindicato Rural de Pesqueira promete totalizar 263 contestações do território xucuru. Essa região do agreste (quase sertão) pernambucano, com clima semi-árido e faixas férteis de terra na Serra de Ororuba, é o berço da família do vice-presidente da República, Marco Maciel. O atual prefeito, o pediatra Evandro Maciel Chacon (PFL), é primo do segundo mandatário do país. A Prefeitura de Pesqueira entrou na Funai questionando a área xucuru. "Quero evitar o conflito. Ambos os lados têm armas. Sou um mediador, por isso fiz a contestação. Não são só os índios que gostam de terra. Os brancos também gostam e têm vocação. Os índios querem terra demais", afirma o prefeito. O prefeito argumenta que todos os mananciais (sete) que abastecem Pesqueira de água estão na área indígena. "Houve uma aculturação. Se bobear, tem índio indo mais para São Paulo do que eu", continua o prefeito.

Entre os fazendeiros, há outros parentes de Maciel requerendo a posse das terras. Alguns exibem títulos com selo do Império. Miscigenação.Para quem imagina encontrar na região um xucuru puro, com pele escura e cabelos escorridos, o contato é frustrante. São raros os que têm traços físicos originais, tal foi a miscigenação secular. São os chamados "índios camponeses". São caboclos. Nem sabem falar o tupi-guarani. Falam português, têm TV e, em alguns casos, carro e antena parabólica. As antigas casas de palha e barro hoje são de alvenaria. "A língua se perdeu. Nosso povo perdeu a terra e a força. Estamos fazendo uma cartilha para ensinar às crianças. Alguns mais velhos, poucos, sabem falar nosso idioma, mas são muito acanhados e não falam na frente dos outros", diz o chefe xucuru Chicão, Francisco Assis de Araújo, 46, que já morou em São Paulo (1975 a 1985).

Foi caminhoneiro e três de seus filhos moram em São Paulo. O nome indígena de Chicão, segundo ele próprio, é "Mandaru", madeira forte e espinhosa "que ninguém quer abraçar".

Ironia "Eles, os que se dizem índios, perderam o dialeto na estrada, talvez na subida da serra", ironiza o fazendeiro Hamilton Didier, 42, que desde 1992 tem sua fazenda de 400 hectares ocupada pelos índios. "Tomaram nossa língua. Isso foi até bom. Imagine se a gente não soubesse falar português. Estávamos mortos", retruca Chicão.

Outro dos 13 líderes xucurus, Antonio Pereira de Araújo, 47, o "Tuyá", primo de Chicão e com fortes traços indígenas, diz: "Os fazendeiros querem ver o diabo, mas não querem ver os índios".

Ex-motorista de ônibus em São Paulo por um ano ("era da garagem Jabaquara e fazia a linha Metrô-Jardim Vaz de Lima"), ele está decidido: "Se tiver de morrer lutando, estou satisfeito. Voltei para ajudar a luta de meu povo".

"Tuyá" deve candidatar-se este ano a vereador de Pesqueira pelo PSB, partido do governador de Pernambuco, Miguel Arraes. Duas pessoas já foram mortas desde 1993 na área em litígio: Everardo Bispo, 22, filho de pajé (93), e o procurador da Funai Geraldo Rolim (95), que apoiava os xucurus. Chicão diz que já sofreu 35 ameaças de morte.

Texto Anterior: Epilepsia atinge índios

Fonte:


https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1996/4/07/brasil/24.html


#povoxukuru

#guerranoparaguia


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